O secretário-geral do parlido Socialista (PS) e agora indigitado Primeiro-Ministro, já tinha estado ontem em Belém: o Presidente da República queria que António Costa lhe prestasse esclarecimentos em seis questões que considerou omissas nos acordos de Governo subscritos pela esquerda parlamentar.
António Costa foi hoje indigitado primeiro-ministro pelo Presidente de República, Aníbal Cavaco Silva. Hoje de manhã, o próximo Primeiro-Ministro de Portugal esteve cerca de uma hora reunido com o Presidente da República, saindo do Palácio de Belém sem prestar declarações à comunicação social. Mas já ontem o também secretário-geral do PS tinha estado reunido em Belém. O Presidente da República teve dúvidas quanto à estabilidade e durabilidade da solução governativa apresentada por António Costa e queria que este lhe prestasse esclarecimentos em seis questões que considerou omissas nos acordos de Governo subscritos pela esquerda parlamentar.
“O Presidente da República solicitou ao secretário-geral do PS a clarificação formal de questões que, estando omissas nos documentos, distintos e assimétricos, subscritos entre o Partido Socialista, o Bloco de Esquerda, o Partido Comunista Português e o Partido Ecologista “Os Verdes”, suscitam dúvidas quanto à estabilidade e à durabilidade de um Governo minoritário do Partido Socialista, no horizonte temporal da legislatura”, leu-se numa nota divulgada no ‘site’ da Presidência da República.
Ao fim da tarde de ontem, a Presidência da República confirmava ter recebido uma carta do secretário-geral do PS onde este apresentava as respostas às questões colocadas pelo chefe de Estado.
Foram seis as questões que o Presidente da República pediu para serem clarificadas. A aprovação dos Orçamentos do Estado, “em particular o Orçamento para 2016” e a aprovação de moções de confiança são duas delas.
O “cumprimento das regras de disciplina orçamental aplicadas a todos os países da Zona Euro e subscritas pelo Estado Português, nomeadamente as que resultam do Pacto de Estabilidade e Crescimento, do Tratado Orçamental, do Mecanismo Europeu de Estabilidade e da participação de Portugal na União Económica e Monetária e na União Bancária”, é outro dos pontos mencionados por Cavaco Silva.
O Presidente da República quis ainda que António Costa clarificasse a questão do “respeito pelos compromissos internacionais de Portugal no âmbito das organizações de defesa coletiva”, e também do “papel do Conselho Permanente de Concertação Social, dada a relevância do seu contributo para a coesão social e o desenvolvimento do país”. A sexta questão refere-se à “estabilidade do sistema financeiro, dado o seu papel fulcral no financiamento da economia portuguesa”.
O conteúdo das respostas apresentadas por António Costa, não foi divulgado. Mas quais eram afinal as dúvidas do Chefe de Estado?
E se houver moções de confiança/censura?
Nas posições conjuntas, os quatro partidos (PS, PCP, BE e PEV) comprometem-se a examinar “em reuniões bilaterais”, entre outras coisas, as moções de censura apresentadas com objetivo de derrubar um possível Governo socialista. Mas não existe qualquer garantia de que Bloco, PCP e PEV votem favoravelmente possíveis moções de confiança a um futuro Executivo do PS. É provável que o Presidente da República quisesse que António Costa esclarecesse estas duas matérias: se forem apresentadas moções de confiança ou de censura a um possível Governo socialista, o PS terá ou não uma rede segurança à esquerda?
Orçamento do Estado terá consenso?
Nesta matéria, o PS tem a garantia de que os restantes partidos à esquerda aceitam sentar-se e discutir o documento, principalmente o Orçamento de Estado para 2016.
Mas Bloco de Esquerda e PCP não garantem à partida a aprovação dos documentos, apesar de terem acordado uma série de medidas sobre os principais pontos de conflito para o orçamento de 2016: a devolução da sobretaxa, a eliminação dos cortes nos salários da Função Pública, a eliminação dos cortes nas pensões.
Cavaco Silva quer assim a promessa de que um Governo de esquerda não colocará em risco os compromissos de Portugal com o euro e com o cumprimento das responsabilidades no seio da União Europeia. E de que o país não ficará exposto à ameaça de novos resgates financeiros.
Obrigações europeias vão ser cumpridas?
O PS garantiu que as obrigações europeias vão ser cumpridas, mas PCP e Bloco de Esquerda podem não pensar da mesma maneira. Os dois partidos sempre manifestaram oposição às regras orçamentais europeias e já demonstraram mais do que uma vez a sua rejeição ao Tratado da UE que estabelece as regras orçamentais a que os Estados-membros estão sujeitos.
Portugal na NATO… ou não?
Ao querer de António Costa a clarificação da questão do “respeito pelos compromissos internacionais de Portugal no âmbito das organizações de defesa coletiva”, o Presidente da República pretendeu que este esclareça um ponto muito importante que separa PS de BE e PCP – a continuação da presença de Portugal na NATO. É que se os Socialistas se comprometem com a continuação daquela aliança atlântica, Bloco de Esquerda e e PCP defendem a dissolução da NATO.
Como que será a concertação social?
O Presidente quer saber qual será o “papel do Conselho Permanente de Concertação Social, dada a relevância do seu contributo para a coesão social e o desenvolvimento do país”, num governo socialista com acordos à esquerda. Cavaco Silva expressa assim as dúvidas apresentadas pelos patrões, e pela UGT, perante um governo que terá o PCP como apoiante, o que trará um provável reforço da posição da CGTP nessa legislatura.
Nesta questão, um dos temas em cima da mesa é o aumento do salário mínimo nacional (SMN) – com a promessa de o fazer chegar a 600 euros até 2019, e a 530 já em 2016. Em declarações ao Observador, António Saraiva, presidente do Confederação de Empresários de Portugal, criticou a medida e lembrou que “existe um acordo na concertação social que termina no final do ano e que há uma comissão que, avaliando o plano de produtividade, a inflação e o crescimento do país, avança com uma proposta do aumento do salário mínimo. Não pode ser o partido A ou B que determina seja o que for”.
A UGT também já se queixou, quanto à retirada de poder de decisão do grupo que constitui o Conselho Permanente de Concertação Social (composto por quatro membros do Governo, quatro representantes das confederações sindicais e quatro representantes das confederações patronais). À saída do encontro com o Presidente da República, Carlos Silva, da UGT, disse estar “frontal e radicalmente contra” um eventual esvaziamento da concertação social. “Quando se ouve na comunicação social que eventualmente a concertação social em Portugal poderá chegar um momento em que não faz sentido que algumas matérias sejam lá discutidas e faz mais sentido dar essa voz aos partidos políticos, nós somos radical e frontalmente contra”, afirmou.
Também Luís Filipe Pereira, presidente do Conselho Económico e Social, disse ao Presidente da República que que existe “um risco” de transferência de decisões para o Parlamento que esvaziem a concertação social.
Instituições financeiras, investidores e mercados podem ficar tranquilos?
Portugal tem uma dívida externa duas vezes superior ao Produto Interno Bruto (PIB). No final de setembro, a dívida externa bruta era de 400 mil milhões de euros, ou seja, cerca de 225% do PIB. Do total da dívida, 74,7 mil milhões de euros eram responsabilidade da banca. “A estabilidade do sistema financeiro, dado o seu papel fulcral no financiamento da economia portuguesa” preocupa o Presidente da República, na medida em que os bancos são sempre vitais no funcionamento das economias Cavaco Silva defende a necessidade de manter a banca em condições de poder continuar a dar crédito a uma economia que passou os últimos anos em crise e a tentar manter-se à tona.
No discurso que fez ao país a 27 de outubro, antes de dar posse ao novo Governo PSD/CDS-PP, o Chefe de Estado afirmava que “depois de termos executado um exigente programa de assistência financeira, que implicou pesados sacrifícios para os Portugueses”, era seu dever “tudo fazer para impedir que sejam transmitidos sinais errados às instituições financeiras, aos investidores e aos mercados, pondo em causa a confiança e a credibilidade externa do País que, com grande esforço, temos vindo a conquistar”.
Cavaco Silva argumentava que “a União Europeia é uma opção estratégica do País” e que a observância dos compromissos assumidos no quadro da Zona Euro “é decisiva, é absolutamente crucial para o financiamento da nossa economia e, em consequência, para o crescimento económico e para a criação de emprego”. “Fora da União Europeia e do Euro o futuro de Portugal seria catastrófico”, alertava.
A 18 deste mês, o Chefe de Estado reuniu-se com os presidentes dos principais bancos privados. À saída pediram, em uníssono, estabilidade na liderança do país e o cumprimento dos compromissos internacionais a que Portugal está vinculado.
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