As Fábricas Lusitana nasceram em 1924, atravessaram duas Guerras Mundiais, diversas crises económicas e muitas adversidades num mercado sempre bastante regulado, mas de vital importância para a nutrição mundial. O cuidado para com o consumidor, a inovação constante e a consistência dos seus produtos são os trunfos desta empresa que tem nas marcas ‘Branca de Neve’ e ‘Espiga’ as suas referências mais reconhecidas a nível nacional e internacional. O ‘Mundo Português’ entrevistou o presidente do Conselho de Administração, Diogo Trigueiros de Aragão.
Conte-nos a história da Fábricas Lusitana…
As Fábricas Lusitana nasceram pelas mãos do seu fundador, António Trigueiros de Aragão em 1924. Nessa altura, o meu bisavô começou a trabalhar no ramo da moagem e das farinhas, quando a farinha era um produto tradicional, era farinha pura, uma commoditie que atravessou todos os constrangimentos que desde os anos 20 do século passado, anos 30, anos 40; houve 1001 constrangimentos e crises que afetaram o negócio da farinha.
O meu bisavô tinha estado a estudar em Inglaterra onde viu umas farinhas auto-levedantes. Depois de concluir os estudos em Engenharia Alimentar decidiu trazer um conceito que quis aplicar em Portugal, o da farinha self-raising. A farinha que não necessitava de adição de fermento. A própria farinha faria com que o bolo saísse bonito, um ótimo bolo. Como um bolo feito com farinha ‘Branca de Neve’! É muito interessante salientar que existe uma marca registada do meu bisavô em que já aparece escrito na embalagem que é uma farinha “para crianças e deficientes”. Isto denota que, já naquela altura, havia a necessidade de diferenciação, de mostrar que tinha um produto diferente e que esse produto ia de encontro a necessidades especiais.
Nos primeiros trinta anos de atividade, de 1924 a 1954, o meu bisavô trabalhou com vários tipos de farinha, desde as farinhas de panificação a outros tipos de farinha que só hoje em dia se começa a falar, como a de alfarroba e de aveia. Em 1954 lança duas marcas. A ‘Branca de Neve’, farinha self-raising e a marca ‘Espiga’, para a farinha normal e pura de trigo. Ainda hoje estas marcas funcionam, estão no mercado e são líderes.
A farinha ‘Branca de Neve’ foi dos primeiros produtos portugueses a serem publicitados… Pode contar-nos qual era a estratégia…
O lançamento da farinha ‘Branca de Neve’ foi muito inovador ao recorrer a mecanismos que na época não eram muito habituais. Por exemplo, o cuidado com o consumidor. Já naquela altura a Fábricas Lusitana tinha uma linha de apoio ao consumidor, os cartazes da farinha ‘Branca de Neve’ têm o número 4 de Alcains. Ao ligar para este número, a chamada era encaminhada para a fábrica ou mesmo para a residência do fundador, isto em 1955. Não podemos esquecer que II Grande Guerra tinha acabado há menos de 10 anos, estávamos no pós-guerra, com todas as dificuldades inerentes àquela época. O lançamento da farinha ‘Branca de Neve’ foi inclusivamente reforçado com a atriz Laura Alves. Havia uma peça em cena no teatro, “Criada para todo o serviço” em que a Laura Alves referia o uso da farinha ‘Branca de Neve’. No final da peça, à saída, o público também recebia um pacote de ‘Branca de Neve’. Consideramos que foi muito avançado para a época, não pelos conhecimentos avançados de marketing que pudessem ter, mas pelo cuidado com o consumidor, pelo querer criar uma relação com o consumidor.
Os cartazes da época também eram muito interessantes porque neles aparecia uma senhora com duas fatias de bolo, uma mais baixa e uma mais alta, onde ficava patente a diferenciação da farinha ‘Branca de Neve’. Quem quer um bom bolo, um bolo que cresça, tem aqui a diferença. A diferença é ‘Branca de Neve’, o clássico versus a inovação.Penso que foi este cuidado, durante tantos anos, o cuidado no lançamento, a mostra das potencialidades deste novo produto, inovador, diferente e a sua consistência que o fizeram vingar no mercado. Durante anos muito conturbados, apesar da sociedade ter mudado e ao longo dos últimos 60 anos termos vivido diversos ciclos, ao nível da economia, guerras, ao nível da própria produção agrícola, em todos estes ciclos, penso que a ‘Branca de Neve’ sempre teve o cuidado de ser consistente. A consumidora ou consumidor que quer fazer “aquele” bolo para a família, um bolo bom, usa ‘Branca de Neve’ porque, independentemente dos ciclos políticos, económicos e agrícolas (as variações nas culturas de ano para o ano) a farinha ‘Branca de Neve’ nunca os abandonou. Sempre houve preocupação em manter aquela qualidade, a consistência em que o produto final teria o resultado expectável. Este foi sempre um dos grandes trunfos desta marca e muitas vezes não se pensa nisso, na consistência de atuação.
‘Branca de Neve’ é um ícone das famílias portuguesas. Existe algum segredo para o sucesso?
O segredo tem sido, por um lado, a fórmula da ‘Branca de Neve’ que tem uma fórmula diferenciada, não é uma farinha de trigo, tem vários componentes, como se pode constatar na própria embalagem, acaba por ser um preparado. Um preparado que nós fabricamos religiosamente na nossa fábrica de Alcains com produtos selecionados. Do ponto de vista de produto, nunca abdicámos de uma criteriosa seleção das matérias-primas para obtermos aquele produto final.Por outro lado toda a afetividade, toda a comunicação que fizemos e que reciprocamente recebemos dos nossos consumidores. Nós temos um clube de consumidores das Fábricas Lusitana com mais de 70 000 assinantes e todos os dias temos telefonemas, as crianças continuam a enviar cartas pelo Natal para a ‘Branca de Neve’ e para o Pai Natal. Criou-se uma reciprocidade em que nós entregamos o produto e a nossa dedicação e os consumidores e consumidoras retribuem com todo o seu amor e afetividade ao partilhar os bons resultados que conseguem. Outras vezes problemas que nós prontamente tentamos detetar e resolver (que tipo de fogão tem, qual é a temperatura, como é que fez, onde é que guardou a Branca de Neve…). Isto cria uma relação muito intima com o consumidor.
Eu acredito em campanhas de massas, mas mais para os produtos com ciclos muito curtos, os outros produtos, além dessas campanhas precisam de algo mais, tal como nós próprios. Todos nós necessitamos de ser reconhecidos, amor, carinho, e é isso que a ‘Branca de Neve’ tenta dar e é disso que não abdicamos nesta equipa da ‘Branca de Neve’.
Apesar do enfoque no mercado doméstico também têm soluções para os profissionais?
O nosso grande enfoque é no mercado doméstico que abarca as famílias, os consumidores dentro das famílias e alcança o grande número de microempresas que existem em Portugal. Não estamos vocacionados para a grande indústria. Isto porque ela já tem a tecnologia e os seus próprios técnicos para fazer os seus produtos. Quando falamos num profissional de pastelaria, numa grande organização, ele próprio quer fazer os seus produtos, à sua maneira. Ele terá os seus truques, a sua própria fórmula de farinha ‘Branca de Neve’. Vendemos também no canal Horeca, mas não é o nosso objetivo primordial. O nosso objetivo principal é para aqueles que não são profissionais, apesar de estarmos junto dos profissionais e também termos produtos para eles, temos a nítida noção que eles próprios já tem os seus produtos independentemente de muitos usarem ‘Branca de Neve’ nos momentos mais críticos.
A inovação faz parte do vosso ADN?
As Fábricas Lusitana não têm parado, tanto com a marca ‘Branca de Neve’, como com a marca ‘Espiga’ não temos parado no tempo e estamos diariamente a lutar por continuar a estar junto dos nossos consumidores. Na ‘Branca de Neve’, lançámos toda a gama de preparados para a elaboração de bolos típicos portugueses, como o pão-de-ló, por exemplo, sempre com a imagem e qualidade ‘Branca de Neve’. Lançámos também uma gama de toppings para bolos, tartes e gelados, um produto com bastante sucesso. Lançámos uma gama de sobremesas, mousses e pudins. Lançámos as primeiras gelatinas de base vegetal. Temos muitos consumidores a darem-nos os parabéns por este facto. São mais difíceis de preparar para o consumidor, mas muitos consumidores só procuram este tipo de gelatina. Estamos agora a lançar as gelatinas light, porque o mercado também procura este produto. Lançámos um preparado de panquecas disponíveis em 4 variedades: simples, açúcar e canela, chocolate e integrais. Vamos ainda lançar em Setembro um preparado para queijadas de leite. Não temos parado e continuamos diariamente a trabalhar para ir de encontro às pretensões dos nossos consumidores.
Na marca ‘Espiga’, por exemplo, enveredámos por toda a parte das especiarias e lançámos algumas variedades que não se encontravam no grande consumo. Para além disso criamos enlatados e fruta enlatada, as framboesas, os figos, vários tipos de molhos… Não temos parado. Em 2016 temos como grande objetivo lançar 120 produtos. É expressivo.
Qual é a vossa estratégia de presença no mercado nacional e nos mercados externos?
O mercado nacional é dominado pela grande distribuição moderna. Os super, os hipermercados e os grossistas. Nós estamos na maior parte dessa grande distribuição. Esse é o nosso grande mercado. Depois temos o mercado lojista, um mercado mais independente. Muito deste mercado, há alguns anos atrás, era abastecido diretamente pelas fábricas e pelas empresas, hoje em dia, abastece nos grossistas e naquilo que chamamos de comércio integrado, pequenas lojas que estão integradas nesses mesmos grossistas. Trabalhamos todo este mercado e temos uma grande honra em podermos trabalhar com estas redes. Por fim, temos também a nossa venda a retalho, nas peixarias e nos talhos, em que nós vendemos e desenvolvemos os nossos produtos, as especiarias, por exemplo, com os nossos players. Em termos internacionais, temos vários operadores internacionais que trabalham com as nossas marcas. Estamos na Europa, nos Estados Unidos e no Canadá, onde temos players para quem vendemos ou, em Portugal, temos players que depois vendem para estes mercados. Nós temos a plena noção que não dominamos estes mercados, por isso consideramos que é melhor trabalharmos bem e sermos coesos naquilo que conhecemos e deixar a distribuição com terceiros para entrar nesses mercados. Estamos há cerca de um ano a trabalhar mais diretamente no mercado da China, com as marcas ‘Branca de Neve’ e ‘Espiga’ que por acaso, é uma marca lançada em 1955 e a embalagem tem exatamente o vermelho e o dourado das cores da bandeira da China, os chineses consideraram isto muito interessante e as coisas têm resultado muito bem.
Em que países estão presentes?
Os países de referência para onde nós vendemos são França, Bélgica, Luxemburgo, Grã-Bretanha, Suíça, Canadá e Estados Unidos. Estes países são referência para nós há alguns anos. Em Angola e Moçambique também temos alguma presença. Hoje em dia estamos a fazer o grande lançamento na China, já vendíamos para Macau, mas na China não tínhamos qualquer relação e temos agora feito uma progressão e uma boa entrada. Não por mérito nosso, mas por approach dos próprios chineses, o que foi muito bom para nós. Porque seria muito difícil entrar num mercado difícil, gigantesco, onde não conhecíamos as regras e os hábitos de mercado por iniciativa nossa.
Qual a sua opinião do SISAB PORTUGAL?
A minha opinião do SISAB PORTUGAL é a melhor das opiniões. Considero uma feira altamente profissional, porque tem o objetivo muito claro de aproximar os produtores de produtos de referência portugueses aos mercados internacionais em geral. É um approach muito direto entre o produtor e os importadores dos 5 continentes. O SISAB PORTUGAL tem um filtro muito grande ao nível de produtores e de compradores internacionais, bem como uma imagem de profissionalismo muito grande. Tudo isto associado à imagem de Portugal. Eu penso que é um caso de sucesso, uma feira exemplar.
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